Mulher e negra: Tereza de Benguela

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Mulher e negra: Tereza de Benguela é sobre ato da presidenta Dilma Rousseff, que sancionou em 2014 a Lei 12.987/2014, que estabelece o dia 25 de julho como o dia Nacional de Tereza de Benguela. E, também, o dia da Mulher Negra e dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Clique aqui e veja no youtube a palestra da professora, filósofa e ativista americana, Angela Davis, sobre racismo.

Quem foi Tereza de Benguela? E por que um dia da mulher negra? Porque um dia serve para homenagear quem costuma passar incólume na sociedade. Aquela pessoa que é invisível para os outros, por força do preconceito e da discriminação de múltiplos braços e daqueles de pouco cérebro. A mulher negra está em dois grupos que sofrem tudo isso (sofre preconceito por ser mulher e por ser negra). Por isso, um dia comemorativo apenas para elas é algo que faz todo sentido. É para que tenham uma data em que possam debater seus problemas, organizar eventos que mostrem sua luta (porque há uma luta, sim!).

E datas assim servem para que os “cegos” sociais possam vê-las (e se incomodar também). A liberdade é mais do que uma carta de alforria. E ela nunca, infelizmente, existiu em sua plenitude, mesmo após a abolição. Então, o dia 25 de julho é o dia da Mulher Negra: é disso que trata o post “Mulher e negra: Tereza de Benguela”. Mas não só. Veja aí.

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(texto atualizado em 23 de maio de 2020, 10h34)

Daqui a pouco falo mais de Mulher e negra: Tereza de Benguela. Antes, uma introdução ao tema. Vou falar dessa crônica – 19 de maio de 1888 – machadiana logo abaixo. Tem tudo a ver com o principal do meu post.

Uma crônica de Machado de Assis: reflexões sobre o discurso escravocrata

Machado fez um personagem chamado Pancrácio que é emblemático para uma reflexão sobre o poder duradouro da colonização. E, como explica Cilene Alves Cunha, na revista de Literatura Brasileira:

A crônica de 19 de maio de 1888 faz parte da série “Bons Dias”, divulgada na Gazeta de Notícias entre abril desse ano até agosto de 1889. (…) O texto envolve o evento
com uma leitura sobre o tempo imediato da Abolição, entrelaçando as fronteiras da crônica do cotidiano com ficção e reflexão, fundindo, como diz o autor, o sério e o frívolo.
O enredo básico da crônica é: o senhor dono do escravo resolve dar uma carta de alforria para seu escravo, Pancrácio. Mas ele faz isso se antecipando ao dia da abolição. Então, o texto, narrado pelo próprio escravocrata, mostra o orgulho deste, que se acha, na verdade, um abolicionista.
Além disso, o dono, ou ex-dono, do escravo (ex-escravo?) oferece emprego com um salário baixíssimo (só dava para comprar duas camisas comuns). Pancrácio, que nasceu na casa do escravocrata, sem educação nenhuma e zero senso do que seria liberdade, aceita tudo feliz e agradecido. Dessa forma, Machado de Assis usa de uma mordaz ironia para mostrar a exploração do trabalho como uma continuidade da escravidão no país. E, ao que consta, Machado nem era comunista.

Machado de Assis: Pancrácios do Brasil e o discurso colonialista

Voltando ao texto de Machado: com o passar do tempo, o narrador conta que batia (dava petelecos, chutes, empurrões etc) no Pancrácio sempre que ele errava ou só porque estava de mau humor. O agora empregado entendia e parecia até sorrir às vezes, com isso. Bom, não vou analisar ou contar a crônica toda. Essa explicação é para dizer que o efeito pancrácio em nossa sociedade é duradouro. O discurso escravocrata continua até hoje. O efeito pancrácio acontece quando a pessoa oprimida (mulher, negro etc) não vê essa opressão, ou a minimiza a ponto de sorrir para o opressor com cara de “é o jeito dele”, “ele não faz por mal”, “no fundo ele gosta de mim”.
Ou seja, o pancrácio legitima a violência que ele mesmo sofre, seja reproduzindo discurso do opressor, seja minimizando seus atos, ou ignorando/menosprezando as lutas sociais contra a opressão que ele acha que não sofre. Assim, a violência contra a mulher, contra o negro, contra a mulher negra, contra o nordestino, o pobre, é institucionalizada, é consolidada em nosso discurso branco, hétero, burguês, machista e eurocentrista.

Efeito pancrácio

Esse é o efeito pancrácio. Por exemplo: há muitos pancrácios negros bem sucedidos, socialmente falando, no Brasil. Tem um ou outro que vira vereador e ataca em seu discursos os movimentos de defesa do negro. Faz isso dizendo que é “mimimi”, seja lá o que isso queira dizer. É a mulher que vê outra que apanhou e diz: “ela deve ter feito alguma coisa também”. Ou, quando você escuta: “eu não sou racista, tenho até um amigo negro”. E tal amigo negro confirma, dizendo que os negros precisam parar com “frescuras”, seja lá o que isso queira dizer.
Assim, o resultado desse “pancracionismo” perdura, sim, até a contemporaneidade. Mas o que dá esperança são os que rejeitam o modo pancrácio de ver o mundo. Esses lutam, resistem. Ensinam, tentam mostrar para os pancrácios o que é liberdade, o que é equidade. No caso, elas. E é disso que trata o texto abaixo. Veja lá e confirme o que eu disse.
(texto publicado originalmente em 24 de julho de 2014 para o site da câmara dos vereadores de são paulo)

Isso posto, agora, sim. Vamos ao tema principal do post, que é Mulher e negra: Tereza de Benguela. Bom, todas as formas de violência que as mulheres negras sofrem foram o assunto principal do “Negras em Movimento” – Ato/Debate em homenagem a todas as “Cláudias da Diáspora Africana”. A cerimônia abriu a Virada Cultural de Inverno da Mulher Negra & Cia. Os relatos foram muitos: preconceito, violência doméstica, ou a falta de oportunidades para quem vive na parte de baixo da pirâmide social.

Tereza de Benguela, ou Rainha Tereza, foi líder do quilombo de Quariterê, que ficava no Vale do Guaporé, na região da Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital do Mato Grosso. A comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por décadas graças ao seu comando. Mais ou menos em 1770 o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho.
A comunidade negra e indígena, comandada por Tereza de Benguela, ou Rainha Tereza, resistiu à escravidão por décadas. E foi destruída em 1770. Mas seu legado resiste. A imagem do meio é de Dandara, companheira de Zumbi, que teve forte influência sobre as decisões que ele tomava, além de ser grande guerreira (lutava capoeira) e determinada a acabar com toda a escravidão no país. A imagem da direita ainda não tenho certeza de quem é, mas quando descobrir, atualizo aqui (se a imagem não aparecer, passe o mouse sobre essa legenda).

Mulher e negra: Tereza de Benguela e as Cláudias brasileiras.

A “Cláudia” que está no subtítulo do Ato se refere a Cláudia Ferreira da Silva, 38, negra, morta a tiros e arrastada por PMs na zona norte do Rio de Janeiro, em 16 de março de 2014. Imediatamente, sua morte provocou uma onda de manifestações populares nas ruas e nas redes sociais, assim como a morte do garoto João Pedro, no dia 18 de maio de 2020.

A Cláudia foi vítima de uma violência institucional”, disse Ana Macedo, professora universitária, assistente social e uma das palestrantes (João Pedro também foi vítima de violência institucional, acrescento eu). Ainda de acordo com Ana, “a mulher negra deve fugir desse destino traçado, ela precisa servir de exemplo para as gerações”. Ana Macedo fez uma leitura do texto “A mulher Negra Guerreira está morta”, sobre o destino das mulheres negras. “O texto provoca. Pede que elas façam uma reflexão sobre quem são e o que querem”.

Veja mais: a história do grupo Palmares na dissertação de Deivison M. C. de Campos.

Além disso, o dia 25 de julho é o dia Nacional de Tereza de Benguela (veja texto sobre ela no fim da matéria) e da Mulher Negra, graças à Lei 12.987/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Também é o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Outra palestrante, Ivete Souza, é ativista do Círculo Palmarino. Ela falou sobre o que chamou de “genocídio da juventude negra” (vamos lembrar de João Pedro novamente). Segundo Ivete, o “genocídio é tanto direto, da polícia que mata só porque é negro, quanto do Estado, que não dá oportunidades aos negros”.

Veja mais: Mailde Trípoli analisa o negro na obra de Machado de Assis.

Mulher e negra: Tereza de Benguela e os movimentos de resistência

A coordenadora da cerimônia, Sandrah Sagrado, falou que “o Negras em Movimento serve para fortalecer a luta das mulheres negras e reconhecer que essa luta existe”. Para a palestrante Tatiana Oliveira, jornalista e ativista do Quilombação:

“A mulher negra é invisível na sociedade. Por isso, este evento é importante. As mulheres negras têm os piores índices de escolaridade, são as mulheres que mais sofrem violência, e são as que sofrem, por exemplo, mais discriminação no setor da saúde”, apontou Tatiana.

Já Ana Macedo lembra que “as mulheres negras devem olhar para si mesmas e sair do marasmo”. É isso. sair do marasmo, mudar o sentimento de pancrácio que há em cada uma. Mas não foi só isso que rolou no evento do dia.

O “Negras em Movimento” também marcou a apresentação do Hino à Negritude na Câmara (clique aqui e ouça a música), pela primeira vez. Ou seja, é a canção oficial das cerimônias da comunidade negra, de acordo com a Lei 12.981/2014, também sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. O hino é de autoria do professor Eduardo Oliveira, líder do movimento negro no Brasil e um dos principais articuladores do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB). O ato teve de tudo: samba de roda, rap e outras apresentações culturais.

Veja mais: o especialista Deivison Moacir Cezar de Campos lembra Marielle e fala da violência contra o negro como regra. 

Leia artigo sobre o movimento de mulheres negras.

Conheça Lélia Gonzalez: a mulher que revolucionou o movimento negro.

Mulher e negra: Tereza de Benguela. Quem foi a Rainha Tereza?

Tereza de Benguela, ou Rainha Tereza, foi líder do quilombo de Quariterê, que ficava no Vale do Guaporé, na região da Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital do Mato Grosso. A comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por décadas graças ao seu comando. Mais ou menos em 1770 o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho. A população de 79 negros e 30 índios foi morta ou encarcerada. Tereza foi presa. Ela se recusou a ser escrava novamente. Por isso, cometeu suicídio.

(minhas páginas, pessoais ou de cursos: instagramugrowth e linkedIn)

 

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