Ficção e virtual: tudo é real
Ficção e virtual: tudo é real, foi retirado de minha tese, que trata de diversas áreas, como filosofia, psicologia, cinema e até literatura. Neste post, recortei uma parte em que explico as diferenças entre o que entendemos como real, ficção, virtual, mundo concreto e abstrato.
E este recorte, isolado, pode ser útil para entender, por exemplo, as crianças e seu mundo de imaginação.
Real, ficção e virtual: tudo é real – definições
Aqui eu trago a análise que fiz do filme Ela, de Spike Jonze, para a nossa vida. A Era Digital diluiu diversos conceitos arraigados há séculos em nossa cultura. E a gente ainda não se deu bem com essas mudanças.
O senso comum diz que algo não é real no sentido de que aquilo não é válido socialmente. A própria afirmação em si é carregada de problemas, sendo o preconceito apenas um deles. A palavra “REAL” está sendo mal usada. E é disso também que vamos falar a seguir.
(Esse texto também foi publicado no site da Recriar Pedagógico.)
René Descartes (1596–1650) é filósofo, matemático e físico. Ele provou sua existência – e dos objetos ao seu redor – pensando. Pensar sobre algo revelaria a existência de quem pensa e do objeto pensado.
A grande questão que veio depois é se as coisas que existem, existem do modo como foram pensadas. Daí vêm as definições de mundo concreto e abstrato.
Vamos convencionar aqui que concreto é tudo o que existe fora do pensamento, da imaginação de quem pensa. Ou: real concreto. Mundo abstrato é tudo o que existe no pensamento, fruto de imaginação. Ou seja: real abstrato.
Então, a gente pode entender que o real é tudo o que existe, seja no plano abstrato, seja no plano concreto. Por esse conceito, qualquer coisa pode existir, desde que alguém dê vida a essa coisa, pensando nela.
Real, ficção e virtual: tudo é real – no filme Ela (2014), de Spike Jonze…
…Catherine (ex-esposa de Theo) considera que a relação amorosa entre Theo e Samantha é uma relação entre computador e homem. E, para ela, essa relação não pode ser real. Porque Catherine entende que máquinas (especialmente sem corpo físico) não são pessoas.
Máquinas não poderiam transcender e criar uma realidade compatível com a espécie humana. E relações entre humanos seriam, para ela, reais, porque fazem parte do mundo concreto.
Real, ficção e virtual: tudo é real – Nesse contexto…
… máquinas existem, mas uma relação amorosa entre máquina e humano não existe para Catherine. Uma relação assim só seria possível na ficção (realidade abstrata), não na realidade concreta.
E como ela era alguém absolutamente racional e do mundo concreto, não podia aceitar que Theo vivesse no mundo das ideias, ou que ele entendesse este mundo como parte do real concreto. Daí sua explosão indignada quando eles estavam conversando sobre assinar os papéis do divórcio.
Então, quando junto “ficção, não-ficção e virtual, concreto e abstrato“, é porque tudo isso é real.
Dessa forma, a relação entre Samantha e Theodore é real…
…porque estamos entendendo aqui que real é tudo o que existe. E Theo acredita nessa relação. E, afinal, a relação é dele, não de Catherine. Ele é quem vivencia esse namoro. A questão é onde existe a realidade e como existe.
No filme de Spike Jonze há um futuro em que a tecnologia criou o sistema operacional, uma inteligência artificial sem corpo, que atua na rede. Cada cliente adquire um e adapta ao seu perfil de usuário. No caso de Theo, ele comprou e criou a Samantha. Portanto, naquela realidade narrativa, ela existe.
Real, ficção e virtual: tudo é real – e como Samantha existe?
Samantha existe como algo que fala, pensa, evolui, mais rápido e melhor do que os humanos. Algo que tem vontades e sonhos. Nesse contexto, ela se apaixona por Theodore e vice versa. Ambos começam uma relação. Por que, então, considerar que essa relação não é real?
Essa realidade (a relação entre Samantha e Theo)…
… é algo que Catherine não aceita, ela prefere negar como sendo possível. Porque, na narrativa do filme, esse tipo de relação entre pessoas e máquinas é uma novidade, algo fora dos padrões sociais.
Como quando surgiu a Era Digital, que mudou os paradigmas e ainda está mudando. E provoca reações de negação nas pessoas, que não consideram uma amizade virtual como algo real. Porque, na verdade, a palavra real, no senso comum, está sendo usada como concreta, tangível, palpável.
“Ou seja, uma amizade virtual não existe contato físico, não há corpos físicos se tocando ou interagindo. A Era Digital bagunçou os padrões de interações sociais vigentes. O filme Ela bagunça com as relações amorosas”.
trecho do meu doutorado: ELA, de Spike Jonze, no contexto dos novos paradigmas da Era Digital
Desse modo fica mais fácil entender Catherine. Theodore é escritor, portanto, ele exacerba algo que é comum no humano: se relacionar muito mais com a realidade criada em nossas mentes do que com o mundo concreto.
Ninguém aqui está dizendo que Catherine não tem imaginação ou que Theodore não é racional. Mas apenas que o modo como se relacionam com suas próprias realidades (mundo interior e exterior – ideias e concreto) é diferente.
E a sensação de realidade depende da cultura de cada um, mas, fundamentalmente, a pessoa se relaciona com sua própria realidade, e não com o concreto, porque a pessoa insere elementos novos no real.
Por exemplo: a pessoa não se relaciona com dois pedaços de pau que foram colocados de modo a formarem uma cruz. Ela se relaciona com o que aquilo significa para ela (no caso, pode ser o cristianismo).
(antes de mais nada: não estou sendo debochado com a cruz cristã quando chamei de “dois pedaços de pau… a palavra “pau” tem o mesmo significado pra mim que “madeira”… e eu não carrego a palavra (pau) com a negatividade que o senso comum carrega)
Real, ficção e virtual: tudo é real…
… mas para Catherine, essas palavras separam os mundos concreto do abstrato. Já Theodore mistura esses mundos. Ele também, durante o filme, tem dúvidas se devia misturar. Mas acaba aceitando a realidade que se apresenta para ele (novos elementos que surgem – e a pessoa pode negar, ignorar ou aceitar: ele aceitou).
Essa realidade que se apresenta é Samantha. Ela o convence, primeiro, de que é real (e não ficção), ou seja, de que ela existe e existe no mundo concreto. Depois o convence de que uma relação amorosa entre os dois é possível.
Isso acontece porque começou como um serviço (ela como empregada dele), depois evoluiu para amizade. Em seguida, houve atração sexual e o desejo de compartilhar experiências amorosas (passeios, confidências, gentilezas e sexo).
Real, ficção e virtual: tudo é real – a resistência em aceitar Samantha como outro…
… em vez de um mero objeto é menor em Theodore. Em Catherine essa resistência é muito maior. Por força da personalidade e caracterização de cada personagem.
Catherine está inserida num grupo de pessoas que vê a realidade de um modo: entende que uma relação amorosa entre espécies diferentes é algo fora da realidade concreta. Para este grupo, Theodore é maluco, porque vive fora da realidade (desse grupo).
Real, ficção e virtual: tudo é real – se o grupo for maioria…
… então será convencionado que Theodore é, oficialmente, maluco (entendendo essa palavra como alguém que vive fora da realidade estabelecida socialmente como correta). Mas Theo não está sozinho.
Ele se inseriu num grupo que aceita a relação entre máquinas e humanos como algo dentro de uma realidade correta.
Agora você viu que o sentido de “real” é mal usado pelas pessoas, né? A partir, então, do texto “Real, ficção e virtual: tudo é real“, como você encara a realidade de seus filhos? Você presta atenção no mundo onde vivem? Você os ajuda a separar as realidades ou estimula que elas se misturem?
Ficção e virtual: tudo é real, portanto, virtual e real não são opostos…
… Ficção e “real”, talvez sejam, num contexto específico. Porque são a oposição entre abstrato e concreto. Porém, como já disse, a palavra “real” está sendo usada indevidamente como algo concreto. Ou seja, no fim, ficção também é real.
O que ela não pode ser é factual, concreta, porque foi inventada. Super-heróis existem, são reais, mas no mundo abstrato.
Você cria seus filhos do seu jeito, mas lembre-se:
… o importante aqui é você se conhecer, compreender suas crianças e respeitar suas individualidades, principalmente ao tentar conhecer o mundo abstrato delas.
Afinal, o que não é “real” pra você pode ser para seus filhos. E há muitas coisas factuais hoje que já foram consideradas ficção num passado não muito distante. Pode acreditar: é real.
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Resumo do que há no livro:
São personagens atormentados, no limite, que buscam, então, amor e precisam conhecer a si mesmos primeiro. Uma homenagem à vida na figura da minha avó materna (em Os Suicidas). Além disso, é uma ironia sobre nossa relação com a mídia televisiva (em Pano de Fundo).
Uma história de amor que não aconteceu (em Sonhos).
Mas não só isso: também é uma análise sobre os diferentes tipos de crueldade (em Cru). Uma repetida e nunca resolvida história de criança de rua (em Longa história…). São reflexões sobre isolamento social desde o nascimento (em A elipse).
Ainda tem uma história metalinguística, sobre aparências, memória imprecisa e pontos de vista (em As deslembranças), com final surpreendente.
Desse modo, sobra o último conto…
… A Rosa. Este faz parte de uma trilogia ainda inacabada (Pátria Amada). É um conto que usa fatos históricos e personagens reais do Brasil para contar algo inventado: por que o mecânico Otávio de Souza escreveu o poema/letra da música Rosa, de Pixinguinha?
Bom, por que, na verdade, ninguém sabe. Então, o conto inventa o motivo.
Portanto, esse é o argumento…
… para criar a história de amor entre Otávio e Rosa. Paralelamente a esse amor a história do Brasil, no Rio de Janeiro dos anos 10, 20 e 30 do século XX, é contada como pano de fundo, com diversos fatos que realmente aconteceram.
Algo assim como Forrest Gump, interagindo com personagens históricos. Ou algo como no filme Shakespeare Apaixonado, em que os roteiristas inventaram o motivo do dramaturgo ter escrito Romeu e Julieta. Por isso o conto A Rosa usa, então, a música para contar a história do Brasil e do romance entre Otávio e Rosa.
O projeto ficou tão bom…
… que o autor F. de Amorim (eu mesmo) começou a segunda parte (que se passa nos anos de 1960 a 1970). E ainda fará a terceira. Todos os contos, pode-se dizer, representam uma valorização da poesia, do amor, e suas dimensões no mundo contemporâneo, mesmo que muitas das histórias tenham sido escritas na década de 1990.
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