advogado do diabo
tem uma coisa que eu penso sobre cargos públicos, especialmente os altos cargos (ministros, senadores, presidente e vice) que eu gostaria de deixar bem claro.
primeiro: corrupção e tentativas de golpes financeiros acontecem em qualquer lugar do mundo. com mais ou menos eficácia, com a mais ou menos descaramento, com mais ou menos fiscalização, ou punição depois de alguém ser pego com a mão na massa. como o ser humano por natureza é corruptível, o que uma sociedade civilizada, organizada, pode fazer, deve fazer, é criar mecanismos de investigação eficientes, e de julgamento honesto, democrático e justo. para em seguida executar a punição cabível sem arrependimentos, sem “peninha” do condenado: resolveu condenar a 10, 15, 20 anos, então que se cumpra.
segundo: numa sociedade civilizada, organizada e tal, os cargos públicos são respeitados. e respeito o que é? a pessoa que está no cargo pode ser um canalha, mas você (jornalista, adversário político, empresário, estudante etc) critica a pessoa, não o cargo. o que isso quer dizer? é comum no brasil fazermos piadas depreciativas de tudo e todos. é de nossa cultura. e não quero mudar nossa cultura. quero apenas que as pessoas reflitam sobre as consequências de sermos todos assim. e quais são elas? colocamos no mesmo saco a pessoa criticada, o cargo dela, o partido dela. nada presta. alguém faz uma denúncia e logo acreditamos na pessoa. por quê? porque ninguém presta. então deve ser verdade. nós banalizamos o escândalo. o resultado prático disso é que se o país está bem (e está, há 8 anos e 10 meses), ninguém liga para as denúncias. ninguém (maioria do povão), porque a chamada classe média formadora de opinião segue indignada cuspindo fogo. se o país está mal, o povão entende que a corrupção tem a ver com isso e aí se deixa levar como massa de manobra para os desejos dos formadores de opinião. ninguém se lembra que a imprensa informa muito mais, e há mais veículos informando, há mais meios de informação do que há 10 anos e muito, muito mais do que há 20, 30 anos. o que significa que as coisas erradas são mostradas muito mais do que antes. e não que as coisas erradas aumentaram nos últimos 9 anos!!!
terceiro. o terceiro ponto vou demonstrar com um exemplo fictício: um país democrático chamado de Putzlândia. lá um ministro é acusado de desvio de verbas em sua pasta. o acusador é quem participava dos desvios. ele resolveu acusar porque o próprio ministério o acusou de desvios e queria o dinheiro de volta. de repente, uma revista, cujo nome é Espia, recebe o acusador, grava entrevista e publica. Não! na Putzlândia não é assim. o diretor da Espia pergunta ao policial, corrupto, acusador:
– você tem provas? e ele diz:
– tenho.
– ok – disse o diretor – então me mostre que eu faço a reportagem
– por quê? aproveite agora.
– porque eu respeito o cargo de ministro. não posso destruir a pessoa e nem manchar a imagem do cargo sem provas jornalísticas. a gente tá falando de um ministro, porra! eu faço jornalismo, não faço denuncismo. não dou golpe de estado. você me mostre provas, ou me mostre os caminhos para isso que eu boto meus jornalistas em busca de provas. aí eu darei a notícia e será um verdadeiro escândalo nacional. caso contrário, a notícia será você. porque você desviou verbas da pasta, você foi acusado e pediram pra você devolver o dinheiro.
na Putzlândia seria assim. mas suponhamos que o diretor da Espia caísse na tentação de fazer a “reportagem” sem apuração nenhuma. no primeiro dia de repercussão, a presidenta, cujo nome é Calma Skeff, apareceria em cadeia nacional pra dizer (vou colocar a versão resumida do discurso):
– o senhor policial acusado de desviar verbas e que acusou o ministro Falando Demais do mesmo delito pode prestar um grande serviço ao país com essas acusações. em 48 horas ele vai apresentar provas de que o ministro tem algum envolvimento com o que ele diz. a partir de hoje a polícia federal vai protegê-lo até o dia em que ele vai se encontrar com a justiça e a polícia com as provas concretas, documentadas.
nesse momento a presidenta faz uma cara mais séria e diz:
– o senhor policial, caso não apresente as provas de envolvimento do ministro, será imediatamente preso por denegrir imagem de funcionário público. nesse caso, o ministro Falando Demais continuará seu trabalho no ministério. e o ministério público seguirá investigando as irregularidades na pasta do ministro como já vinha fazendo há tempos.
e assim, na Putzlândia, tudo seria resolvido em 48 horas, pro bem ou pro mal. e a vida seguiria sem mais churumelas, ou xurumelas. assim se respeita um cargo. assim se respeita a democracia. quem quiser acusar alguém de algo, não poderá ser leviano. quem investiga, jornalisticamente, terá de ser profissional e ético, ou perderá a credibilidade. a população, irá confiar mais nos sistema, sem precisar confiar nas pessoas.
porque, como se sabe, as pessoas com poder não são confiáveis, mas são culpadas de algo somente quando fazem algo errado. antes de fazer ainda não são culpadas. e se fizeram, julgamento e punição. ponto final. quanto mais rápido e preciso o processo todo, menos desgaste, menos se judia do cargo, e o país não para.
isso vale pra tudo.
se não agirmos como em Putzlândia, corremos o risco de criar uma indústria de denúncias – verdadeiras ou não – (será que já não existe?). uma fonte me contou uma história acontecida num estado do norte do brasil. em que um candidato, num ano qualquer da nossa história, corrompeu uma revista de circulação nacional, pra denunciar um adversário, na capa da tal revista. minha fonte viu, ouviu, foi testemunha. o tal adversário perdeu a eleição.
não vou discutir se as acusações eram verdadeiras ou não. meu medo é da imprensa ser usada pra aplicar golpes políticos, derrubar gente do poder. e ganhar dinheiro pra isso. digo que não importa se a acusação é real ou não porque muitas vezes, com o passar do tempo, o acusado é inocentado, por falta de provas. mas aí a imagem do cara já foi pro saco. e não engulo o argumento de que os malfeitores profissionais não deixam pistas. papo furado. até al capone foi preso porque deixou pistas. se não, vejamos: um malfeitor deve ser preso pelos malfeitos dele. e não por algo que não fez. ninguém inventou acusação só pra prender al capone. ele foi preso porque não pagava impostos. e pra isso havia provas. simples assim.
e vocês se lembram do mensalão? o político que acusou (e que também supostamente participava do esquema), anos depois, foi convocado para dizer na justiça o que adorou dizer para a imprensa. mas ele disse o quê?
– ahn… então, não foi bem assim…
pô, anos depois (devia ser na mesma semana, aí o país não teria quase parado por causa disso e lula não teria quase sofrido impeachment) não dá! alguém vai dizer: ah, pagaram pra ele mudar de ideia… bom, então ele, que acusou e sujou a imagem de muita gente, deveria ser preso sumariamente. por anos!
ou não?
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