restos de apartheid (reportagem completa)
no dia seguinte, os policiais ainda cercavam a mina de platina marikana, no noroeste da áfrica do sul. os conflitos contra grevistas provocaram, além dos 34 mortos, mais 78 feridos. a região fica a 100 km de johannesburgo.
pós-apartheid. era o dia 16 de agosto de 2012.
a acusação recai sobre 270 mineiros. os 259 detidos no dia 16 de agosto, mais os feridos que foram presos ao sair do hospital. o juiz marcou a próxima audiência para esta quinta-feira, 6 de setembro. e até esta data os detidos continuaram presos. especialistas jurídicos questionaram a lei. eles entendem que não se pode usar a doutrina da intenção comum para culpar os mineiros pela morte dos colegas.
colegas que foram mortos pela polícia.
detalhe importante: nenhum dos policiais que matou os mineiros estava preso.
interpretem a lei como quiserem. você, leitor. use sua imaginação. pense nas várias possibilidades em que você, um policial branco, poderia matar negros (eles armados ou não), e ainda culpá-los pelas mortes… pense nisso…
a greve de marikana não era autorizada. mas isso pouco importa. antes dos 34 mortos no massacre, dez homens – dois policiais e dois guardas – morreram nos enfrentamentos entre sindicatos entre os dias 10 e 12 de agosto.
os mineiros e suas famílias protestam diariamente pelo massacre dos 34 trabalhadores. alheia a isso, a empresa lonmin, que é a terceira maior produtora mundial de platina, pressiona os outros 25 mil trabalhadores para que voltem ao trabalho. a mineradora garantiu que todos teriam segurança.
momentos depois, marc munroe, vice-presidente da lonmin, assegurou que despedir os grevistas não vai melhorar a situação. a empresa entende que colocar datas limites e ultimatos não vão contribuir para um ambiente estável. mas ao mesmo tempo, afirmou haverá consequências para quem não vier trabalhar. (alô, alguém está ligando para o massacre?)
difícil acreditar que vá doer em todos os lados. mesmo vendo representantes do governo descendo e subindo as escadas, e fazendo reuniões para negociar o fim de uma greve que está emperrando a economia do país. a alta comissária de lesoto para a áfrica do sul, dineo ntoane, disse que o governo tenta agradar os mineiros para que voltem ao trabalho. essa é a prioridade: voltar ao trabalho. se não voltarem, podem perder seus empregos, falou dineo.
um relatório da comissão nomeada para o caso das mortes deverá ser entregue ao presidente sul-africano, jacob zuma, até janeiro. a comissão quer responder algumas perguntas: por que os mineiros levaram armas (facões, principalmente) para a mina, e por que dois policiais foram brutalmente assassinados, e por que a polícia teve de usar balas reais?
a comissão diz que quer chegar a raiz do problema. mas para isso precisa entender os personagens desse conflito. especialmente os mineiros. eles são muito pobres. são facilmente levados a violência, ao mesmo tempo em que são facilmente acalmados, quando as pessoas tentam conversar dignamente com eles, explicando honestamente o que está acontecendo. como se fossem crianças, que reagem quando são encurraladas, mas são capazes de obedecer, quando convencidas.
nesta quinta-feira, 6 de setembro, mineiros grevistas de marikana marcharam até outra mina próxima. gritaram para que os trabalhadores parassem o serviço. e ameaçaram queimar tudo com quem estivesse dentro se não fossem atendidos. ameaçaram matar diretores da lonmim. dois clérigos chegaram ao local, pediram calma. reuniram representantes dos grevistas e conseguiram uma audiência com a empresa. apenas pediram que ficassem sentados, quietos, esperando pelo resultado da conversa. e assim eles fizeram. comportamento estranho de quem ameaçou botar fogo em tudo minutos antes. os grevistas dizem que governo e empresa tentam
convencê-los a assinar um acordo de paz. eles não querem acordo de paz, querem aumento de salário.
a marcha se dissipou logo depois e todos voltaram para casa.
em 2013, zuma vai tentar a reeleição. o assunto do massacre de marikana não será bem digerido pelo eleitorado se não for resolvido de forma justa. o que houve lá, está se espalhando em outras minas pelo país. numa jazida de ouro em joanesburgo, quatro pessoas foram mortas no fim de agosto. nesse caso a polícia usou balas de borracha e gás lacrimogêneo.
mas o que houve em marikana? uma simples vingança policial pela morte dos colegas, dias antes do massacre?
após o fim do apartheid, grande parte da população esperava que as riquezas minerais do país fossem postas a serviço do povo. muitos sul-africanos consideram que o presidente e seu partido protegem os interesses das grandes companhias e de seus próprios sindicatos. os membros dos sindicatos ligados ao partido governista recebem salários maiores do que seus colegas de oposição.
para alguns analistas, a agitação social pode ser o sinal de algo maior. o início de uma “primavera mineira”. a questão salarial pode levar a uma desobediência civil generalizada, com inúmeras ações de protesto. opinião de tony healy, especialista na lei do trabalho sul-africana.
nenhum dos lados ainda sabe lidar com a liberdade de protestar por seus direitos. isso leva tempo. nem o brasil, muito menos violento do que a áfrica do sul, não aprendeu completamente. não sabemos negociar. no brasil a greve é o primeiro recurso, não o último.
na áfrica do sul, o problema do massacre dos mineiros só revela a existência de outros. alguns muito profundos, dolorosos, cujas cicatrizes permanecem abertas…
e sangrando.
(por fábio de amorim)
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