três dias: um conto de suspense/terror ou comédia?
Três dias: um conto de suspense/terror ou comédia? – é o nome do post e a pergunta é boa. Mas na verdade nem eu mesmo tenho certeza. Por isso, o que você verá abaixo da imagem é um trecho inicial do meu conto Três dias. Este conto, aliás, não está no livro Os suicidas e outras histórias (<=clique no link para comprar o livro impresso ou digital), mas estará no próximo livro de contos. Então, leia e tire suas conclusões sobre ser de terror ou comédia ou um pouco de tudo isso.
boa leitura!!!!
(neste post, Três dias: um conto de suspense/terror ou comédia?, assim como em outros, o não uso de maiúsculas faz parte da característica desse blog)
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uma festa comum. pessoas importantes apareceram logo cedo e se mandaram em menos de vinte minutos. pessoas menos importantes ficaram uma hora. o resto dançava, bebia, conversava, ria, mijava cerveja, arrotava refrigerante, peidava coxinhas de frango ou caminhava à procura de uma dessas coisas: dançar (com alguém), beber, conversar, rir, mijar (onde é a porra do banheiro?), arrotar e peidar.
cinco colegas de trabalho falavam de mulheres e conquistas, e enquanto riam, apontavam – com a discrição que quatro garrafas de cerveja permitiam – para um sexto companheiro. o sujeito era aquele que “caminhava”.
o caminhador de festas é o cara que não sabe o que fazer numa festa. não dança (por timidez extrema ou por não saber, ou não sabe por ser tímido, ou, enfim, é uma conjunção das duas coisas), não se enturma, não sabe o que fazer com as mãos (por isso está sempre em busca de um petisco, uma bebida), não sabe como ficar parado (faz pose quando encosta numa parede, coloca as duas mãos nos bolsos), por isso, a melhor solução é caminhar; olhar os outros, o que fazem, e ficar imaginando, querendo estar ali, “naquela” situação divertida, ou refletindo sobre: por que não sou divertido?
esse é o caminhador.
os cinco colegas pareciam bem íntimos, amigos de longa data mesmo. o motivo era mais uma garrafa de uísque, uma de vodca, uma de… bem, era álcool, mas a mistura não tenho certeza. e o assunto deixou de ser mulher pra ser o “perdido” do Úbere. pra começar, o nome dele: Úbere, segundo o dicionário, é mama de um animal, especialmente quando está flácida e com vários mamilos, como nas vacas. quando é adjetivo, úbere significa algo de grande capacidade produtiva, fértil, ou algo que produz novas ideias, algo seminal… etc. isso, ou melhor, esse é o nosso Úbere.
quando discutiam um dos significados de úbere, chegaram à conclusão de que ele tem imaginação fértil, como sugere um dos significados do nome. brincaram com essa tese, a desenvolveram, riram muito disso e criaram situações que comprovassem essa ideia. a tal ponto que começaram a imitá-lo.
depois do êxtase inicial por humilhar alguém, pensaram em algo mais cruel.
– podíamos fazer uma brincadeira com ele… – sugeriu Bataló
– no que você pensou? – perguntou Capistrano
– o Úbere é muito supersticioso e medroso. uma vez ele contou a história de um avó já falecido que apareceu na cozinha da irmã dele.
– não sabia que o Úbere tinha irmã – interrompeu Anzico
– tem e é gata… – apressou-se em responder Bataló
– qual a idade dela? – perguntou, mais pra coluna do salão de festas do que pro Bataló, o pra-lá-de-bagdá Peba, ou, Pebão, pras íntimas.
– deixa eu terminar a história, pô!
– é, cala-boca, meu… – falou, já com a língua quase travada, o quinto elemento, o Serafim.
– então, – continuou Bataló – vamos inventar uma história pra assustar o Úbere. Já bolei tudo. Estão vendo ali no balcão do bar o esquisito?
o esquisito era um sujeito que volta e meia aparecia nas festas da firma,
mas poucas pessoas sabiam onde ele trabalhava e o que ele fazia. o que menos pessoas ainda sabiam era seu nome. Deba. o fato curioso é que deba, em certas regiões, especialmente no Ceará, significa diabo. Bataló era um desses poucos que tinha o conhecimento duplo: tanto do nome do esquisito quanto do que significava essa alcunha. Ele era um desses ex-cdfs. é raro encontrá-los com a idade inferior aos trinta. geralmente ex-cdfs têm mais de quarenta. você não deixa de ser cdf no seu interior, mas no exterior. imagem é tudo. Como qualquer cdf, Bataló tinha manias de cunho “educativo”. uma dessas manias era colecionar sinônimos. pra isso vasculhava o dicionário todos os dias. daí vem seu conhecimento sobre “deba”.
– continue, Bataló – disse Serafim
– bom, por uma incrível coincidência mística, nas últimas três festas da firma, vocês se lembram, poucos dias depois alguém morreu.
– é, eu lembro – disse Capistrano – o Bexiga bateu as botas de um jeito estranho. e a gente tinha tomado todas na festa, ele tava inteirinho… – lamentou, com um olhar de comiseração.
– certo – continuou Bataló – Bexiga teve um piripaque na segunda. a festa havia acontecido na sexta. foi pro hospital, ficou um mês e morreu. parece que hepatite C.
– sim – interrompeu Anzico – mas o Bexiga morreu um mês depois, e não poucos dias, como você disse…
– eu sei, Anzico, mas nem todo mundo sabe. o que importa é que ficou mal três dias depois.
– por que a encanação com os “três dias”? – quis saber Pebão, depois de um soluço
– porque quatro meses depois da morte do Bexiga, tivemos outra festa, de confraternização com nossos amigos do Canadá. e três dias depois, morreu o Patrick.
aí ouviu-se um ééééé… três dos cinco já se abraçavam com medo de cair – bêbados que estavam – no chão do salão. só Pebão se apoiava na coluna.
– o gringo – explicou Bataló – teve um mal súbito…
– o que é mal súbito, Bata…? – interrompeu Serafim
– … é mal estar, indisposições variadas, vertigens, desmaio, falta de ar, instabilidade emocional etc. Patrick estava dirigindo na BR, indo pro seminário em Curitiba, quando perdeu o controle e sifu… e foi exatamente três dias depois da festa da firma. – e Bataló deu uma pausa proposital, pra ver se o estavam acompanhando no raciocínio. mas não estavam, claro.
– peraí – disse Capistrano – na última festa, quando a firma comemorou 15 anos no Brasil, o Amadeu foi assaltado, reagiu e levou um tiro. ele saiu da festa trebaço, entrou num puteiro, saiu de lá com uma vagabunda e veio o ladrão. se tivessem levado ele pro hospital na hora ele teria se salvado. mas deixaram ele ali por horas. até que alguém viu, chamou a ambulância. mas já tinha perdido muito sangue. não foi três dias depois da festa.
– foi, sim, Capistrano – falou Bataló, com cara de sábio – ele chegou vivo, entrou em coma, e ficou assim dois dias. no terceiro, morreu.
– é verdade, Bato – acordou Pebão do seu sonho etílico – é verdade. sabe que eu nem tinha pensado nisso tudo. é muita coincidência, né.
– pois é, amigos. é disso que estou falando. aí vem a brincadeira com o nosso Úbere. nas três festas, o esquisito do Deba tentou travar conversa com algumas poucas pessoas. dentre elas, os três que morreram.
– como é que é? – gritaram os quatro
– Deba não fala com ninguém, mas eu vi quando ele chamou um táxi pra ir embora na primeira festa. Bexiga estava malzaço e tinha perdido a carona. ele se virou pro Deba – na verdade nem reconheceu quem era – e disse pra chamar um táxi pra ele. o Deba falou algo que não ouvi, mas deve ter sido algo do tipo: “fique com o meu que eu ligo pra outro”. porque logo depois Deba fez um gesto e mostrou o táxi que havia acabado de chegar. praticamente colocou Bexiga no táxi.
na outra festa, Patrick queria ir ao banheiro mas não entendia as explicações em português de ninguém. até que ele me achou. meu inglês é meia-boca, então levei o cara pra lá. quem estava na fila pra entrar? o Deba. era o último da fila de três. Patrick colocou a mão no ombro do Deba e perguntou se podia tomar-lhe a frente. falou em inglês. fez uma cara de quem estava apertado. Deba respondeu baixinho alguma coisa, mas como topou, deve ter falado nesse sentido. na última festa, o Amadeu e mais cinco de nós entramos no tal puteiro. mas ficamos a noite toda. Amadeu quis sair porque a mulher dele o mataria.
– e o Deba nessa história? – perguntou Anzico.
– não sei, não vi. mas ele estava na festa. essa eu posso inventar pro Úbere. posso dizer que o Deba mora perto do puteiro e que descia do táxi na hora em que chegamos. o Amadeu foi mexer com ele, tropeçou e o Deba o segurou pra não cair no chão. falou alguma coisa e depois foi embora. que tal? sinistro, né!
– e você acha que o Úbere vai acreditar que o esquisito é culpado pelas mortes das três pessoas? – perguntou Capistrano
– com uma boa história, bem contada, bem manipulada, com as testemunhas certas e uma vítima crédula e supersticiosa, será fácil convencer o Úbere – sorriu Bataló
o plano consistia em amedrontar Úbere com a história das mortes, depois apavorá-lo com a ideia de que Deba tenha algo a ver com isso. Úbere não sabe que Deba trabalha na firma. nunca o viu. vai achar que é um espírito mal que está nas festas matando as pessoas três dias depois. pra ficar engraçado, todos os cinco deviam dizer que estavam fugindo de contato visual e físico com o Deba. e que Úbere devia fazer o mesmo. os cinco amigos levariam Úbere pra lugares em que eles soubessem onde estaria o Deba, só pra ver a reação do Úbere. passaram a festa toda cuidando desse plano.
primeiro chegou o Anzico, que era o mais animado com a piada. contou as histórias das mortes. depois veio Capistrano, que falou do Deba e das coincidências. Em seguida apareceu Serafim, incrivelmente convincente em seu papel de apavorado. Serafim disse a Úbere que estava com medo. achava que Deba tinha olhado pra ele. mas não tinha certeza. Foi tão dramático, tão perfeito, que a partir daí Úbere ficou realmente apavorado. Pebão surgiu e disse pro nosso assustado amigo que o Deba estava olhando pra ele – pro Úbere – e que ele – Pebão – não ficaria pra ver o resultado.
Pebão saiu rapidinho.
Úbere ainda tentou dizer “não vá”, mas Pebão já havia virado à esquerda e sumido. Úbere não quis olhar pra trás e saiu correndo. no caminho trombou com um garçom, derrubou bebidas em todo mundo no caminho, caiu, rolou nos líquidos, levantou desajeitado, continuou correndo e sumiu para a varanda. ao ar livre, tentava respirar. enquanto isso, os cinco amigos riam. quem chegava, na verdade, não era o Deba, mas sim o Bataló, que gargalhava. Deba não estava mais no salão. estava na varanda, sentado num dos bancos. do seu lado, Úbere.
– está tudo bem com você? – perguntou Deba
ofegante, sem olhar pra quem lhe dirigia a palavra, Úbere respondeu que sim. Deba colocou a mão no ombro de Úbere e perguntou: quer alguma coisa, água…?
– não, obrigado – e então olhou para quem era tão gentil. quando virou o rosto, não acreditou. ficou sem ar, a pressão subiu, começou a abrir e fechar a boca, como se quisesse dizer algo e não conseguisse. vergou para trás; e quando caía foi seguro por Deba.
– ele está passando mal, gente – falou Deba, e depois, no ouvido de Úbere, sussurrou – não se preocupe, por pior que você esteja, daqui a três dias tudo ficará bem. confie em mim.
– t-t-tr-tr-três d-d-di-diass… – murmurou Úbere, antes de desmaiar.
2
Úbere acordou. sua irmã, de 29 anos – Úbere tem 34 – sorriu ao ver o maninho acordar. beijou-lhe a fronte. Úbere, por alguns segundos, achou que tudo era um sonho, como alguns dos pesadelos que sempre tinha e que o acordavam de repente durante a madrugada. mas estranhou não acordar em sua casa. estava num pronto-socorro.
– vamos levá-lo pra casa – disse a irmã – já falei com o pessoal do seu trabalho dizendo que você não trabalha hoje. ainda bem que é sexta-feira, né. você perdeu um dia de trabalho mas ganha três dias pra se recuperar.
Úbere então começou a raciocinar. começou a lembrar. três dias!! sexta à noite completa um dia. sábado, dois, domingo à noite são três dias. vou morrer domingo à noite.
(…)
por f. de amorim
(o texto que você viu – Três dias: um conto de suspense/terror ou comédia? – continua em outro livro…)
quer saber mais do que faço neste site, além de poesia, crônicas, contos, jornalismo e artigos e …?
Além desse post: Três dias: um conto de suspense/terror ou comédia? – você pode ver outros contos, que inclusive já foram publicados, como por exemplo no livro que se chama Os suicidas e outras histórias <= clique no link e compre a versão digital -, também tenho outras coisas, como cursos. autoconhecimento, comunicação, oratória, redação (curso exclusivo). mas vou falar dos três primeiros aqui (e muito mais do primeiro curso):
Meu cursos são basicamente análise e interpretação de discursos, tanto em oratória, quanto em comunicação quanto em autoconhecimento. Porque isso está ligado nos três cursos. Eu uso literatura, filosofia e cinema para analisar a cultura digital atual. Vou desconstruindo conceitos, os reformulo e mostro que nada é o que parecer ser e que nós menos ainda. Enfim, essa é a base. Não deixo de usar meus próprios textos, como este que você leu, Três dias: um conto de suspense/terror ou comédia?
como assim?
Quanto ao que cada aluno vai aprender depende do conhecimento dele. Eu simplesmente parto de onde ele está. Por isso, no dia da aula experimental, farei duas coisas. Mostrarei onde pretendo chegar e como farei isso. A segunda coisa será fazer um diagnóstico do quanto o aluno sabe de cada curso. Além disso, farei perguntas simples, como, por exemplo, como ele define o que é beleza. Espero a explicação e aí eu já desenho o perfil cultural do aluno.
E as aulas, os textos e a complexidade das aulas vão de acordo com o nível dele. O tempo do curso depende da disponibilidade do aluno, mas eu vou pedir no mínimo 3 horas de estudo semanais (cada aula online por uma hora e meia). Então, eu não faço milagres, não vendo milagres, não acredito em milagres, por isso, na aula experimental digo que o curso pode levar meses (cada aula, um tópico mais ou menos). E os tópicos (do curso de autoconhecimento) são… peraí… clique aqui que eu mostro a grade de autoconhecimento.
é isso. espero que tenha curtido esse conto Três dias: um conto de suspense/terror ou comédia? abraços.
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