fragmentos da suavidade (trechos)

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seus cabelos ondulavam.
a brisa traduzia seus contornos. sangrava morta ou vida. 
mas apenas os cabelos ondulavam. 
seu rosto se mexe, agora. e de lado ele cai. 
foi um toque e novamente caiu. quem tocou – ele – caminha ao redor do corpo, perplexo – ao redor do corpo. 
desesperado (ele não sabe que está). 
e nada ao redor, apenas no chão, ela…

(dias antes do crime)

Cabelos ondulados. No rosto. Os cabelos que todos olhavam.

E uma mocinha, muito simpática, meio obesa, singela, sorridente e um pouco fútil olhava atentamente para aquele cabelo pós-permanente. Perguntou para a dona do cabelo por que ela fez, quanto ela pagara, que estava lindo, que parecia a Patrícia Pillar, que outro dia, que eu também já fiz mas, que…
Tima respondeu que era pra ficar com uma cara diferente. Tima aproveitou e perguntou qual era o endocrinologista do cérebro dela. Tchau e saiu.
A mocinha, muito simpática, meio obesa, singela, sorridente e um pouco fútil, não entendeu.

(motivo do mau humor de Tima)

Tima olhava o copo de chá como se fosse um ornamento. Seu rosto não tinha nenhuma alteração expressiva, continuavam seus olhos fixos no copo, brincando com ele entre os dedos. O teto deste bar-café atrai o olhar distraído de Tima. Parece mais interessante observar a arquitetura de uma lanchonete-bar-café do que o copo com chá.
Quando a lágrima do seu rosto cai na mesa, também cai no guardanapo.
Já havia oito meses que Gema se casara. Está vivendo no Canadá. Foi grande a surpresa quando Tima descobriu que Gema trocou a vida de executiva, de mulher dona de si, por uma vida numa cidade interiorana, a 200km de Montreal. E ela trocou porque – talvez porque ele – o cara com quem Gema casou, ele parece ser uma mistura do charme de Robert Redford, com a bunda de Mel Gibson, e o restante de Richard Gere, e muito dinheiro, muito mesmo. Não a estava chamando de interesseira… longe disso, só levantou pequenas estatísticas.
A composição daquela lágrima ainda não se decidiu por que chorava. Se da falta que fazia ou da falta que faz.
Foi tudo muito civilizado:
                                                – eu gosto de você, mas o Mac me completa.
                                                – te completa em quê? – fala Tima chorândida
                                                – você não pode entender!
                                                – você pensa que eu sou o quê?
– como assim, Tima?
                                                – Por que você não foi sincera comigo?… E tem mais uma coisa. Eu não gosto quando você não me trata como mulher.
                                                – como assim?
                                                – você sabe perfeitamente o que eu quero dizer. Mas eu vou deixar mais claro: eu sou uma mulher, sinto como mulher, tenho TPM como toda mulher, e minha paixão por você não me impede de ser mulher, portanto não me trate como aqueles teus amantes, que quando transavam contigo, não faziam sexo, mas praticavam canibalismo.
                                                – você está exagerando.
                                                – ótimo. É bom que eu esteja exagerando mesmo. Pelo menos assim você sabe o que eu sinto realmente:
                                                quinhentas mil palavras de desafogo e duas garrafas de uísque.
 (depois da briga)
Secretária eletrônica:
– não estou no momento, mas se quiser…
– não estou no momento, mas se quiser…
– pare de ligar, se for você, pare de me ligar.
– vou embora amanhã. Adeus, Tima.
Na verdade, as dores são as mesmas numa coisa: na pontada que dá no peito, até suforcar-nos.

1 Comment on “fragmentos da suavidade (trechos)

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