LONGA HISTÓRIA DE UMA CRIANÇA (um pensamento sobre a cultura da exclusão social)
a história de uma criança excluída socialmente é longa e é curta. sua existência pode ser curta, mas a história de todas elas (criança entendida como coletivo) é longa. esse texto é um pensamento, uma reflexão sobre essa cultura de exclusão social. não existe a coluna dos indiferentes. só existem as colunas dos que fazem parte da solução ou do problema. os indiferentes estão na coluna do problema. você pode ser solução, não necessariamente doando, se doando. ações políticas suas, ações culturais, também valem. valorizar quem valoriza a vida. valorizar quem valoriza inclusão e quem valoriza o outro. qualquer ação que indiretamente leve a uma solução é válido. o que não vale pra nada é só ficar xingando ou procurando inimigos íntimos imaginários.
Era uma criança. Tinha dois dentes, quatro anos, seis pilhas gastas, um pedaço de pau, pequeno como sua mão e todo resto de seu corpozim. Tinha um só pai, a mãe, nenhum avô, uma avó. E tinha três moedas de centavos num xorte* surrado que usava pra jogar futebol na rua, na terra, no esgoto, no sol e na chuva; usava o xorte pra dormir na rede num barraco azul, junto com uma tia, a irmã de dois anos e o primo de seis. Era uma criança. Corria atrás da bola, do pai, que fugiu da polícia depois de uma briga numa construção. O pai é de obras. Irrita fácil. A criança corria atrás da mãe, ajudando a carregar sacolas, cheias de nada, nada que alguém quisesse usar; corria dos seguranças dos restaurantes que ele teimava em entrar, corria dos vizinhos de cima que queriam bater nele – meninada ruim – só porque ele xingou a mãe de um deles de panela azeda. Era uma criança. O nome, não importa. Era o moleque, o pequeno, o safadim, menino, ô, vem-cá, ei!, coisa-ruim, ou, vai-embora-daqui.
Era isso. Era um vai-embora-daqui.
E foi.
*xorte = forma aportuguesada de short
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